Como erramos na precificação e o que fizemos para acertar

Por: Time Superlógica5 Minutos de leituraEm 05/06/2017Atualizado em 25/09/2020

Por Carlos Cêra

Na Superlógica já erramos muito em precificação. É duro afirmar, mas alguns dos erros de maior impacto financeiro foram na política de preço. Quando meu time “me obrigou” a colocar no papel as coisas que venho aprendendo ao longo da minha vida empreendedora, comecei pelo preço, pois é o que realmente causa impacto nas empresas.

Muito mais do que apresentar um conceito novo, quero provocar você a tirar da gaveta tudo o que já deve ter lido em livros, artigos e revistas sobre política de preço. Se você não é iniciante no assunto, será que realmente está aplicando tudo o que leu? Pretendo encorajá-lo a arriscar tudo na sua precificação dando um salto de fé.

Volume de vendas e ticket médio

Você precisa calibrar o volume de vendas e ticket médio (valor médio que o cliente paga). Ou seja, encontrar o preço máximo que não altere o seu volume de vendas. Até essa parte, geralmente não há problemas. Mas o que talvez você não tenha notado que o que realmente importa é abrir mão de tudo pelo ticket médio.

Nova call to action

Nem sempre a proporcionalidade vai favorecer o ticket médio. Normalmente, agimos com um “falso senso de justiça”: fazemos o cliente que consome mais pagar mais. Isto normalmente leva a fórmulas complexas e de forma geral, prejudica o ticket médio. Com toda ênfase possível: você precisa abrir mão de tudo, tudo mesmo, para aumentar o seu ticket médio.

Como já disse, o desafio da precificação é aumentar o ticket médio sem reduzir o volume de vendas. Se pensar dessa forma, vai conseguir abrir mão de um falso “senso de justiça”, aumentar sua lucratividade e criar políticas mais simples. E se tiver ainda mais sorte até um bom apelo de vendas.  

Restaurantes por quilo x coma à vontade

Antes de começar a Superlógica, me deparei com esse cenário: um restaurante por quilo de um amigo que, depois de olhar o comportamento dos seus clientes, passou a oferecer a opção “coma à vontade”. A mudança fez aumentar o ticket médio em 20%. O número de refeições servidas cresceu significativamente e o seu lucro mais do que triplicou.

O que ele fez foi olhar apenas o ticket médio e esquecer o valor proporcional ao consumo. Com isso, criou um apelo de marketing interessante: coma à vontade e ganhe uma sobremesa, o que o tornou muito competitivo na região.

O fato é que os clientes frequentes do restaurante já sabiam quanto gastavam em média no almoço e acharam interessante, por um preço ligeiramente maior, poder comer à vontade e ganhar uma sobremesa. A estratégia atraiu clientes de outros restaurantes e teve poucas perdas de consumidores – aqueles que consumiam bem abaixo da média. A maioria que ficou agora pagava um pouco mais para praticamente a mesma quantidade de comida.

Qual foi o “sacrifício”? Abrir mão de clientes que comiam bem menos que a média e perder uma pequena receita com clientes que comiam acima da média. Parece óbvio, não? E será uma típica dura decisão, caso você não esteja realmente focado em aumentar o ticket médio e abrir mão de todo o resto.

E é ainda mais duro, porque é contraintuitivo abrir mão de receita – por menor que ela seja. Na prática, você acaba criando regras complexas que não fazem diferença nenhuma para o faturamento.

Eu já sabia, mas…

Apesar de saber de tudo isso, quando começamos a Superlógica, tínhamos praticamente o mesmo cenário e fui, durante anos, incapaz de perceber.

Tínhamos uma grade com quatro planos, onde 70% do faturamento vinha de apenas um deles. Clientes que estavam abaixo da média representavam 10% do faturamento e os que estavam acima da média representavam 20%.

Observe a semelhança com o restaurante. A maior parte dos clientes consomem dentro de uma média. Se você conseguir oferecer um produto semelhante com valor um pouco maior, vai incrementar significativamente seu lucro e deixar as regras mais claras e transparentes.

Não lembro exatamente o que nos fez enxergar, depois de muitos anos, que este cenário era o mesmo que do meu amigo do restaurante. Talvez a necessidade de aumentar o faturamento numa época de vacas magras. Mudança de preço sempre foi aquele assunto chato que ia aborrecer o cliente. E ninguém estava a fim de aborrecer o cliente.

O fato é que em dado momento percebemos que nossa precificação estava errada e estávamos deixando um bom dinheiro na mesa. Nesta hora, você percebe que precisa fazer o que precisa ser feito. Logo, pegamos o plano imediatamente superior ao que detinha 70% do faturamento e o deixamos mais forte, incrementando funcionalidades. Passamos a chamá-lo internamente de “plano-alvo”.

As novidades criadas fizeram o cliente enxergar valor e adotá-lo. Hoje, cerca de 50% da nossa base está neste plano. O próximo passo foi eleger outro plano para ser o alvo da vez. Nele, agora todas as novidades são lançadas e vamos seguir assim até que tenha cada vez mais atratividade.

Os clientes, com raras exceções, estão adorando, pois estamos bem mais focados em criar soluções que vão levá-los ao sucesso. Se a Superlógica falhar em criar esses diferenciais, ninguém vai migrar de plano. Esta correlação direta entre sucesso do cliente e o aumento do nosso faturamento tem sido sentida por todo nosso time. E uma vez sentida por eles, não resta dúvidas sobre o que precisa ser feito.

Foi analisando também o ticket médio que abandonamos os planos “pay-as-you-go” completamente – aqueles nos quais o preço era extremamente proporcional ao uso. Passou a não fazer sentido quando começamos a olhar o ticket médio. Não vou dizer que é ruim para todo mundo, é preciso ponderar e conhecer os números.

Desativamos também a loja de aplicativos, em que os clientes podiam contratar apenas as funcionalidades que precisavam. Distribuímos os benefícios entre os planos de forma a favorecerem o aumento do ticket médio. O resultado foi expressivo.

Basecamp, Disney e TV a cabo

O Basecamp, software de gerenciamento de projetos criado por Jason Fried, fez algo um pouco mais radical. Na época do Basecamp Classic havia cinco faixas de preço, partindo do zero até US$ 149 por mês. Quando a empresa lançou o Basecamp 3, passou a cobrar um preço único de US$ 99.

Este valor de U$ 99 provavelmente estava bem acima do ticket médio na época (talvez o dobro), o que deve ter produzido um aumento significativo de receita e lucratividade. Abriram mão da receita dos planos que custavam mais de U$ 99 em troca do aumento do ticket médio e do apelo de marketing de ter política de preço tão simples quanto possível. Perderam alguns clientes também com certeza.

Outros exemplos são os parques da Disney e os planos de TV por assinatura. Na Disney, o preço do segundo ingresso em diante é uma pequena fração do primeiro. Na TV por assinatura, assinar um canal campeão é praticamente o mesmo valor do que assinar um pacote completo com todos os canais.

O que seriam destas empresas se cobrassem valor proporcional? Provavelmente o modelo não pararia em pé.

Agora pense na Netflix. Quanto você gasta por ano com filmes antes e depois da Netflix? Não tenho este dado, mas aposto que estamos em média gastando anualmente muito mais do que antes. Eu pelo menos estou. E consumindo mais.

Todo mercado de assinatura sobrevive olhando o ticket médio e viabilizando, com preços menores, maior consumo e a contratação dos seus serviços por mais clientes. E isto, invariavelmente, implica em abrir mão daquele falso senso de justiça que nos faz criar regras complexas.

Há exceções e você precisa conhecer quando isto não funciona. Mas olhar o ticket médio é um baita guia para você começar a acertar.

O desafio

Desafio você a olhar agora, neste exato momento, sua grade de planos e sua política de preços. Entender como seus clientes estão distribuídos em relação ao ticket médio e agir da forma como for necessária, abrindo mão de qualquer outra coisa (menos volume de vendas) para aumentar o valor médio que os clientes estão pagando para você.

Mas lembre-se: ninguém vai pagar mais se não oferecer algo significativo em troca. Com sorte, este algo significativo não vai lhe custar nem um centavo. Com mais sorte ainda você pode ter uma ideia para um apelo comercial forte que vai atrair mais clientes. E se você tiver tanta sorte quanto a Superlógica poderá até encontrar uma relação direta e evidente entre o sucesso do cliente e o seu faturamento.

Carlos Cêra é CEO do PJBank e fundador da Superlógica e um dos palestrantes do Superlógica Xperience



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